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Anúncio do Concílio em 1962 foi uma surpresa

João XXIII, com 77 anos, 'tinha bem consciência da confusão que estava armando'

Por José Maria Mayrink
Atualização:

A Igreja Católica vive atualmente um momento especial de mudanças. O olhar de 'renovação' da religião do papa Francisco hoje se assemelha ao olhar de João XXIII, em 1962, quando convocou o Concílio Vaticano II. O jornalista e escritor especializado em religião José Maria Mayrink, colaborador do Estado desde a década de 1970, escreveu ao Acervo relatos do próprio João XXIII feitos ao brasileiro d. Aloísio Lorscheider ao anunciar a histórica assembleia que produziu uma transformação sem precedentes na Igreja. "Quando Angelo Giuseppe Roncalli, o papa João XXIII, anunciou aos cardeais, no dia 25 de janeiro de 1959, a convocação de um concílio ecumênico, ele estava comunicando uma decisão, não fazendo uma consulta. Foi uma estupefação geral.

O brasileiro d. Aloísio Lorscheider, mais tarde cardeal, descreve como ocorreu a cena, conforme lhe relatou João XXIII: “Nem tudo foi pacífico na preparação (do Concílio). Houve dificuldades e resistências. O próprio papa deu-se conta disso. Na audiência que tive com ele, em março de 1962, João XXIII contou-me como foi a reação dos cardeais presentes ao anúncio do Concílio. Ninguém bateu palmas. Todos ficaram silenciosos. O papa saiu apreensivo, não sabendo o que pensar. A oposição residia na linha da abertura e do diálogo. Infelizmente, a Cúria Romana era um dos principais focos do entrave”. Esse relato consta do prefácio que d. Aloísio escreveu, em maio de 2005, para o livro “A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II”, do teólogo e historiador José Oscar Beozzo. João XXIII recordou várias vezes essa reação. Dias mais tarde, alguns dos 17 cardeais presentes na audiência tentaram explicar ao papa, em conversa particular, o silêncio coletivo. “Foi tão intensa a comoção e tão profundo o gozo... que não encontramos palavras adequadas para manifestar o júbilo e a obediência ilimitada”. Na realidade, estavam todos assustados. Até bispos mais abertos e supostamente mais receptivos, como o cardeal de Milão, Giovanni Battista Montini, reagiram com perturbação. “Que avispero! Que avispero!”, disse ele por telefone ao amigo padre Bevilacqua, em espanhol, depois de ter ouvido a notícia pelo rádio. Mal imaginava o futuro Paulo VI que, ao ser eleito papa em 1963, mergulharia no “vespeiro” criado por seu antecessor. João XXIII tinha bem consciência da confusão que estava armando para fazer uma revolução na Igreja. Em 10 de agosto de 1961, ele escreveu em seu diário – Il Giornale dell”Anina – sobre o impacto causado pela convocação do Concílio: “Quando em 28 de outubro de 1958 os cardeais da Santa Igreja Romana me designaram para a suprema responsabilidade do governo do rebanho universal de Cristo Jesus, aos 77 anos de idade, havia a convicção de que eu seria um papa de transição provisória. Em vez disso, estou já à véspera do quarto ano de pontificado, e na expectativa de um robusto programa a ser executado no mundo inteiro, que olha e espera. Quanto a mim, estou como São Martino: nec mori timuit, nec vivere recusavit (nem teve medo de morrer, nem se recusou a viver)”.

A idade avançava, problemas de saúde se agravavam, mas João XXIII presidiu a abertura e a primeira sessão do Concílio Vaticano II, traçando as linhas que a reunião devia seguir.

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Morreu em 3 de junho de 1963, aos 82 anos de idade. Em cinco anos incompletos de pontificado, ele teve tempo e forças também para escrever oito encíclicas, entre as quais as memoráveis Mater et Magistra (Mãe e Mestra)  e Pacem in Terris (Paz na Terra), a primeira sobre a evolução da questão social à luz da doutrina cristã e a segunda sobre a paz, na base da verdade , justiça, caridade e liberdade". Leia também:

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