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A foto que virou símbolo da precarização de uma profissão

Imagem inspirou artistas a criarem charges sobre o trabalho dos entregadores de aplicativos

Foto do author Edmundo Leite
Por Edmundo Leite
Atualização:
Foto de Tiago Queiroz e charges inspiradas nela Foto: Tiago Queiroz e ilustradores

Sob um olhar petrificado que parece de curiosidade, dois rapazes descansam na base de uma escultura em uma das avenidas mais valorizadas da cidade mais rica do País. Sem rostos visíveis, cobertos pelas caixas térmicas que utilizam em seu trabalho, deixam à mostra aquelas que são outra parte importante do ofício: as pernas capazes de pedalar por quilômetros para entregar refeições pedidas através de aplicativos. A sincronia de todos os elementos na imagem renderia um tratado de semiótica.

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O fotógrafo Tiago Queiroz já havia finalizado e entregue o seu material para a reportagem "12h por dia, 7 dias por semana, R$ 936: como é pedalar fazendo entregas por aplicativo", de Renato Jakitas, quando teve que voltar à região em 13 de setembro de 2019 para captar imagens para outra reportagem e se deparou com a cena.

A partir dali, mesmo sendo incluída posteriormente à reportagem sobre o trabalho dos entregadores ciclistas, a fotografia tirada na tarde de uma sexta-feira na próspera Avenida Faria Lima acabou tomando rumos inimagináveis. Viralizou nas redes sociais e acabou inspirando o trabalho de alguns artistas que transformaram a imagem em charges. Deixou de ser apenas uma fotografia para virar um símbolo.

Leia o depoimento do fotógrafo ao Acervo Estadão, veja a foto ampliadaalgumas das ilustrações feitas a partir dela e conheça um pouco da história do monumento onde a cena foi registrada.

A história por trás da foto do descanso dos bike boys

Tiago Queiroz, fotógrafo

Essa cena registrei em setembro de 2019. Flagrei a imagem bem no meio da tarde, em uma praça na Avenida Faria Lima, polo de grandes empresas e bancos multinacionais. A história para chegar a essa foto começa um ano antes, porém, em meados de 2018.

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Tinha acabado de sair de uma pauta sobre startups de um daqueles prédios modernos, próximo à Rua Funchal, quando me deparei com vários jovens, reunidos em uma praça nos fundos do Shopping Vila Olímpia. Muitos carregavam seus celulares em um ponto de energia do local e todos tinham bicicletas com bags coloridas. Na hora caiu a ficha: "Estou presenciando a formação de uma nova classe de trabalhadores!", pensei. Fato que se mostrou real quando comecei a conversar e fotografar alguns deles. Voltei para a redação com essa história e produzimos uma reportagem mostrando um pouco da realidade deles.

Passa-se mais ou menos um ano e me chamam para fotografar uma outra pauta sobre os Bikeboys. Dessa vez eles já eram mais conhecidos pelas ruas de São Paulo e havia saído uma pesquisa que mostrava em números como esse tipo de trabalho era precarizado, sem direitos, sem vínculos empregatícios e tudo isso com um verniz de "microempreendedorismo".

Saí às ruas e fui de novo para a mesma praça que havia estado no começo da história, lá na Vila Olímpia. De lá, descobri outros lugares onde os rapazes se refugiam nos momentos de folga, entre a hora do almoço e do jantar. Fiz muitas fotos, coletei muitos depoimentos e produzi uma reportagem em parceria com o colega de texto Renato Jakitas.

A matéria já tinha sido fechada numa quinta, para ser publicada no próximo domingo daquela semana. Na sexta me passaram uma outra reportagem na Faria Lima e no meio da tarde me deparo com a cena. Na hora percebi que a foto resumia toda a busca que no fim, estava fazendo há uns dois anos já.

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Procurei registrar rápido com medo de que algum deles se levantasse e mudasse a composição da cena. Não consegui publicar a foto junto com a matéria, mas depois que a pauta foi publicada, postei a foto junto com o link para o texto nas minhas redes sociais e rapidamente a foto se espalhou.

Muitos sites, páginas e pessoas influentes na sociedade compartilharam a imagem. Fico feliz pois a foto gerou muita reflexão sobre os rumos que o novo sistema de trabalho, baseado em aplicativos, estava tomando. Hoje, com o cenário da Pandemia e isolamento social, o trabalho desses rapazes está cada vez mais importante e visível.

A FOTO | As charges | O monumento

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Felizmente, o Brasil não está a zero nesse campo e garante alguns direitos para esses trabalhadores. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

AS CHARGES | O monumento

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Charge no Instagramfeita sobre foto de Tiago Queiroz Foto: @fernandorochaaguiar @canalreload Instagram

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O MONUMENTO | A foto | As charges 

Conhecido como Monumento das Musas, as esculturas onde os entregadores repousam sobre a base de mármore originalmente faziam parte do Monumento à Ramos de Azevedo, que ficava na Avenida Tiradentes, bem em frente à Pinacoteca, e foi removido para a Cidade Universitária sem todas as suas partes. .

>> Estadão 26/11/1967

Desmonte do Monumento a Ramos de Azevedo nojornal de 26/11/1967 Foto: Acervo Estadão

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