Conheça a história da primeira vacina produzida pelo Butantã em 1901

Instituto foi criado para combater a epidemia de peste bubônica na virada dos séculos 19 e 20

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Por Liz Batista
Atualização:
Prédio principal do Instituto Butantan, década de 1970. Foto: Acervo/Estadão

Hoje uma das instituições centrais no combate à epidemia de Covid-19 no Brasil - à frente, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, da produção da vacina Coronavac e desenvolvendo a própria vacina Butanvac - o InstitutoButantan foi criado em 1901 com a missão de combater outra doença epidêmica que à época manifestava-se por aqui acumulando mortos e preocupando as autoridades sanitárias, a peste bubônica. Primeiro identificada como um surto na cidade de Santos em outubro de 1899, o mal se espalhou para outras cidades, tornando-se uma das mais graves crise de saúde pública enfrentadas pelo Estado de São Paulo e pelo Governo Federal, quando a peste também atingiu com força a capital, Rio de Janeiro.

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A primeira vacina produzida pelo instituto foi justamente para combater essa doença. A “vaccina anti-pestosa” foi um imunizante que se mostrou eficiente no combate à peste e que, juntamente, com outras fórmulas, como o soro antipestoso, os soros antiofídicos e o soro antidifitérico conferiram renome à instituição nos anos seguintes à sua criação. Desde então, o centro de pesquisa biomédico - que mantém a grafia da época em seu nome até hoje - tornou-se referência nacional e internacional no desenvolvimento e produção de soros e vacinas.

Através das páginas do Acervo Estadão é possível conhecer a história da instituição e dos avanços científicos por ela alcançados. 

O médico Vital Brazil, responsável pela criação do Instituto "Serumtherápico", posteriormente chamado de Instituto Butantan Foto: Reprodução

A peste em Santos. No verão de 1899, Portugal soou o alarme após detectar um surto de peste bubônica na cidade do Porto, colocando em alerta os principais países na rota comercial de seus navios, o Brasil estava entre essas nações. Apesar dos esforços das autoridades para isolar as embarcações vindas de Portugal, não tardou-se para que em outubro daquele ano, um conjunto de especialistas destacado pelo governo da jovem república brasileira atestasse que a peste já grassava pela cidade portuária paulista.

Entre os cientistas apontados para a tarefa de identificar e conter a disseminação da doença estão nomes importantes da história da Saúde Pública do País, como os sanitaristas Oswaldo Cruz, Emílio Ribas e Vital Brazil. Este último, vindo das frentes de trabalho do Instituto Bacteriológico de São Paulo (atual Instituto Adolfo Lutz), foi o responsável pelo diagnóstico bacteriológico da moléstia em Santos. Foi também Brazil o cientista encarregado de liderar o “Instituto Serumtherapico de São Paulo”, posteriormente chamado de Instituto Butantan.

>Estadão - 09 e 10/11/1899

Estadão - 09 e 10/11/1899 Foto: Acervo/Estadão

Inicialmente criado como um braço do Instituto Bacteriológico, a instituição adquiriu autonomia dada a importância de seus trabalhos, como estabeleceu seu decreto de criação, Decreto N° 878A, de 23 de fevereiro de 1901. Em 9 e 10 novembro de 1899, o Estadão já trazia em sua capa notícias sobre as ações para criação do instituto. 

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No dia 9, o jornal publicou que o governo de São Paulo havia comprado o terreno conhecido como Chácara Butantan, “afim de nella ser instalado um instituto serumtherapico”. A edição do dia seguinte explicava que “as installações de apparelhos, reparação e adaptação do edificio, construcção de estrebarias, etc, em breve serão iniciadas, devendo, daqui a pouco tempo, ser terminadas. O dr. Vital Brasil já começou a preparação dos cavallos, que escolheu do regimento de cavallaria, afim de os inocular com culturas mortas, para a preparação do serum anti-pestoso.”

> Estadão - 06/11/1901 

> Estadão - 06/11/1901 Foto: Acervo/Estadão

A primeira vacina. Em 1901 o Instituto Butantan passou a produzir sua primeira vacina, a vacina antipestosa,desenvolvida através das técnicas popularizadas pelo médico italiano Camilo Terni do Instituto de Messina. Tanto a vacina quanto o soro antipestoso, ambos produzidos no instituto, foram usados com sucesso, ao lado das medidas de isolamento de doentes e controle da população de ratos, para debelar a epidemia de peste bubônica. Em paralelo ao combate à peste, sob a condução de Vital Brazil, o Butantan começava a se tornar uma referência no desenvolvimento de soros antiofídicos que salvavam vidas contra as “mordeduras de cobras”, essa frente trabalho e pesquisa trouxe rápido renome à instituição. 

Pesquisador do Instituto Butantan segura uma cobra Jararaca, São Paulo, SP. 1939. Foto: Sulpemento Rotogravura/ reprodução

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Na edição de 6 de novembro de 1901 do Estadão, uma nota descreve uma visita feita à instituição por autoridades políticas e médicas para tomar conhecimento sobre seu funcionamento. A comitiva foi recebida pelo diretor do Butantan, dr. Vital Brazil, que demonstrou aos visitantes como acontecia a produção do soro e da vacina antipestosa. "Foi em seguida sangrado um cavallo immunisado contra a peste, do qual foram retirados seis litros de sangue, que fornecerá em poucos dias dois litros de serum anti-pestoso. Passou depois o dr. director a inocular doze muares que estão sendo immunisados contra a peste, recebendo cada um cinco centímetros cubicos de vaccina em injecção intra-venosa", descrevia a notícia.

> Estadão - 12/05/1908

> Estadão - 12/5/1908 Foto: Acervo/Estadão

Nos anos seguintes, o Instituto Butantan passou a publicar no jornal balanços de sua produção semanal. Um avanço científico ao alcance de toda a população do Estado e de outras regiões quando solicitado. No descritivo, o Butantan trazia além das fórmulas produzidas pelo seu laboratório, o número de animais inoculados, o número de pessoas tratadas e uma lista nominal de agradecimento às pessoas que haviam colaborado enviando cobras para a instituição.

Já nos primeiros anos de 1900 as vacinas e soros fabricados ganharam o Brasil e o mundo, sendo distribuídos para os hospitais da capital e do interior de São Paulo com regularidade. Sob encomenda, o instituto atendia pedidos do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Sul, Estados Unidos e Londres, para citar algumas das requisições. Em 1914 o Instituto inaugurou seu prédio central. As novas instalações foram destaque na edição de 5 de abril do Estadão

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> Estadão - 05/4/1914

> Estadão - 05/4/1914 Foto: Acervo/Estadão
> Estadão - 05/4/1914 Foto: Acervo/Estadão

Em 1920, durante uma uma crise de escassez de verbas, após Vital Brasil deixar a chefia da instituição, o jornalista Júlio de Mesquita Filho, publicou um artigo em defesa de maiores investimentos para o instituto para que seu potencial de enfrentamento de crises sanitárias pudesse ser ampliado, o que descreveu como a “criação de um instituto onde se estudassem as molestias que nos debilitam as populações, uma especie de atalaia de onde se vigiassem as endemias e de onde partissem as legiões de combate aos males que nos depauperam e deprimem. Em resultado: a montagem de um apparelhamento para o estudo de todas as questões scientificas relativas ás molestias infeccciosas, preparo de soros e vaccinas; estudo de plantas medicinaes e toxinas; estudo de veterinaria, dependendo do instituto que seria uma vasta amapliação do actual Butantan (...) Assim estariamos apparelhados para a defesa sanitaria do paiz em casos de urgencia." 

> Estadão - 16/5/1920

>Estadão - 16/5/1920 Foto: Acervo/Estadão

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