Um dos personagens mais influentes da história do século 20, Mikhail Gorbachev foi colunista do Estadão entre 1992 e 1996. Além da colaboração regular nesse período, o estadista responsável pela perestroika, a política de abertura da União Soviética e seu consequente colapso, o ex-presidente soviético também teve outros artigos avulsos publicados no jornal.
Com a experiência de um mandato que transformou as relações políticas mundiais e a convicência com interlocutores dos mais diversos países, Gorbachev não se limitava a escrever sobre temas nacionais da Rússia e analisava as grandes questões da geopolítica e economia em seus textos. O primeiro deles ganhou a manchete do jornal em 24 de fevereiro de 1992: "Guerra fria não teve vencedores, diz Gorbachev".
Era uma resposta ao então presidente norte-americano George Bush, que havia dito há pouco tempo que os Estados Unidos haviam triunfado na Guerra Fria entre os blocos ocidental, liderado pelos americanos, e o oriental, pelos soviéticos.
"Várias vezes me fazem essa pergunta, sobretudo no Ocidente: o comunismo morreu, ou continua vivo e capaz de um renascimento? Hoje posso responder, com confiança, que o modelo stalinista - implacável desde o início, um regime que ignorou totalmente a democracia, os direitos humanos e as necessidades do povo - está morto e enterrado. Aquele que foi um sistema que cometei violências contra a sociedade e perverteu as ideias do capitalismo. Considero o modelo stalinista morto , e acrescentaria: graças a Deus.
Tenho a certeza de que sua morte não afeta o socialismo em si. A idéia do socialismo sobrevive, e, a meu ver, a busca - o desejo de fazer experiências e encontrar uma nova forma de concretizar a idéia socialista - continua. E, nesse novo contexto, os princípios democráticos e humanitários deveriam ter lugar de honra, naturalmente." [Leia a íntegra de "Guerra fria teve apenas perdedores"]
Queda do Muro de Berlim - Terrorismo, globalização, a possibilidade da entrada de países do Leste Europeu na OTAN e a responsabilidade econômico-social dos países ricos ante os países pobres foram alguns dos vários temas da 'Coluna do Gorbachev'. O estadista também revisitou momentos chaves de sua trajetória política.
Em artigo publicado em 7 de novembro de 1999, por ocasião do aniversário de 10 anos da queda do Muro de Berlim, Gorbachev se reconhece como o homem que deu “liberdade de escolha aos alemães-orientais”. Sobre o evento que é um marco das revoluções por independência que varreram as repúblicas soviéticas, desestruturando o bloco e colocando fim à URSS, escreveu:
“O Muro de Berlim não desabou num só dia, nem sequer numa só estação. A crise na Alemanha Oriental começou quatro anos antes dos dramáticos acontecimentos de 1989, a muitos quilômetros de distância com a perestroika e a democratização na União Soviética. Quando o descontentamento na Alemanha Oriental se transformou num movimento de massas, o povo dali sabia que minha política da liberdade de escolha não era só um slogan publicitário. Sabia que não se repetiriam os acontecimentos da Primavera de Praga de 1968, e os tanques do Pacto de Varsóvia não interviriam. Portanto, eles (os alemães-orientais) exerceram sua liberdade de escolha derrubando o Muro de Berlim. Nunca lamentei minha decisão."
No artigo publicado pouco depois da morte do ex-presidente americano Ronald Reagan, em junho de 2004, Gorbachev assume em muitos momentos um tom pessoal, conta que enviou uma carta de condolências à viúva, a ex-primeira-dama dos EUA, Nancy Reagan. “O 40.º presidente dos EUA era um homem extraordinário que, em sua longa vida, viu momentos de triunfo, teve seus altos e baixos e experimentou a felicidade do amor verdadeiro”, escreveu.
Depois, volta-se ao Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, assinado por ele e Reagan, um avanço para a redução dos arsenais nucleares e evento que marca o início do fim da Guerra-Fria. “Aconteceu de seu segundo mandato como presidente coincidir com o surgimento de uma nova liderança soviética, uma coincidência que pode parecer acidental, mas na verdade foi um prólogo para eventos decisivos na história do mundo”.
O texto segue relembrando como o primeiro mandato do ilustre republicano como presidente dos Estados Unidos foi marcado por uma retórica anticomunista e fala das superações necessárias para que um diálogo e uma negociação pudesse ser estabelecida para fundar as bases do tratado.
“Escolhemos um caminho diferente, pois percebíamos os problemas críticos de nosso país e a necessidade urgente de recuar da beira do abismo para o qual a corrida nuclear empurrava a humanidade. O diálogo que o presidente Reagan e eu começamos foi difícil. Para alcançar o acordo, particularmente sobre controle de armas e segurança, tivemos de superar a desconfiança e as barreiras de numerosos problemas e preconceitos. Não sei se teríamos sido capazes de concordar e insistir na implementação de nossos acordos com uma pessoa diferente à frente do governo americano".
Gorbachev termina o artigo avaliando um grande aprendizado: “Penso que a principal lição daqueles anos é a necessidade do diálogo, que não pode ser interrompido quaisquer que sejam os desafios e complicações que tenhamos de enfrentar”.
Escritos com uma distância temporal dos fatos, os artigos são documentos históricos que expõem reflexões de um dos mais importantes líderes mundiais do século 20. Os textos também refletem uma consciente responsabilidade de defender suas posições e decisões e com isso seu legado perante a História.
Visita ao Estadão - Em 8 dezembro de 1992, Gorbachev dedicou uma parte de sua agenda no Brasil para visitar a sede do Estadão, em São Paulo, onde viu seus artigos e foi recebido na redação e na direção do jornal.
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