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Mecanógrafo e máquinas de escrever ainda em atividade

Aficcionados por máquinas de escrever contam com o trabalho de Walter Scaziotta há 58 anos

Por Carlos Eduardo Entini
Atualização:

“E coloca na reportagem que eu também toco violão”, sugeriu o mecanógrafo Walter Scaziotta, 72 anos, depois de uma longa entrevista onde detalhou a profissão em que atua há 58 anos ininterruptos. Walter tem como hobby tocar violão em bares e nas casas dos amigos. Estilo preferido? “Samba-canção e bolero”, responde sem pestanejar.

Um dos últimos mecanógrafos atuantes, Walter é a garantia para aficionados por máquina de escrever, como o ator americano Tom Hanks que lançou um aplicativo que imita a digitação. E também é testemunha de uma época onde digitar era datilografar, sem 'ctrl c', 'crtl v', 'del', 'backspace' e 'enter'. Numa máquina de escrever um erro significava começar de novo. Por isso, até a chegada dos computadores pessoais, dominar a datilografia  era exigência para conseguir emprego.

A trajetória de Walter começou com 14 anos, em 1956, quando entrou na fábrica da Remmington. Lá fez a escola de mecânica de máquina, ou mecanografia. Depois foi para a Olivetti. Após experiência nas principais fábricas de máquinas de escrever, Walter resolveu abrir seu próprio negócio em 1968. Depois de passar por vários endereços, está há mais de 30 anos com loja no bairro do Belém, zona leste da cidade. Além das máquinas de escrever, também faz a manutenção das de calcular e aparelhos de fax.

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Sua empresa já chegou a ter 20 funcionários e fazia manutenção das máquinas de diversas empresas e fábricas. Na Light, lembra Walter, era responsável pela manutenção de mais de oitocentas. Se deu bem no ramo porque é “bom de máquina”. Ou seja, tirava de letra os problemas mais comuns enfrentados pelo mecanógrafos, que eram os pulos que ela dava ao teclar 'espaço', o alinhamento dos tipos e problemas na impressão.

Hoje, Valter conserta e dá manutenção em máquinas de escrever pertencentes a colecionadores. Apesar de ainda existir quem as levem em reuniões para bater contratos, “tenho alguns clientes de imobiliárias que levam a máquina no carro”, explica.

As máquinas de escrever mais procuradas pelos colecionadores são as antigas, posteriores à década de 1970. Cada vez mais difíceis de achar, elas podem chegar a custar até R$ 800,00, desde que estejam em perfeito estado.

Também são muito procuradas as portáteis. As máquinas de datilografar que podem ser levadas embaixo do braço representaram uma revolução comparada ao surgimento dos notebooks. Com elas, a escrita passou a acompanhar o escritor. Em anúncio de 1936 da "Hermes Baby",  Monteiro Lobato chegou a elogiar a 'leveza excepcional e do pequenissimo volume que forma dentro da caixa, o que torna uma companheira de viagem para o homem de negocios em viagem”.

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Uma explicação para a máquina de escrever ser um objeto raro atualmente é que elas viraram sucata a partir da década de 1990, quando os computadores as substituíram nos escritórios. Elas eram compradas em lotes, explica Walter. Por consequência, a reposição de peças fica cada vez mais difícil. Isso explica as dezenas de carcaças em sua loja.

Máquinas e amizade. Um dos colecionadores de máquinas de escrever é o contador Carlos Gabriel Valsecchi, cliente e amigo de longa data de Walter. A amizade nasceu há mais de 45 anos.  E foi motivada pelas máquinas de escrever quando Walter ainda prestava serviço para o escritório de contabilidade em que Carlos trabalhava na década de 1960. “Ele ia de lambreta”, lembra Carlos. Foi também Walter que emprestou a primeira máquina para Valsecchi abrir seu próprio escritório em 1961.

A coleção de Carlos tem 35 máquinas de escrever e calcular, todas em perfeito estado e funcionando. E estão expostas num espaço construído especialmente para elas em seu escritório de contabilidade, no bairro da Mooca, zona leste da cidade. Carlos é um colecionador diferente. Ele não compra nem vende os objetos que coleciona, todas chegaram por mãos de amigos, a maioria delas pelas de Walter.

Experiência pedagógica. Já se passou uma geração que não conheceu a máquina de escrever, tampouco a datilografia. Essa distância despertou em Adriana Cristina Cirilo, coordenadora da Associação Beneficiente São José Operário, o desejo de levar essa prática para as crianças que cuida. “Com tanta tecnologia não se procurou aprender como digitar, elas só usam dois dedos,” explica Adriana. “Eu quero passar essa experiência”, completa. Foi caminhando em frente à loja de Walter, que fica a um quarteirão da associação, que a ideia tomou forma.

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Depois de três meses da ideia, e com dinheiro arrecadado em um bazar realizado pela associação, a coordenadora comprou na loja do Walter uma Olivetti Lettera 52 (imagem acima) e apresentou as 102 crianças de 4 a 16 anos. A maioria nunca tinha visto uma. Outras descobriram que o objeto à frente deles era o mesmo que fica atrás da escrivaninha do personagem Téo, interpretado por Paulo Betti na novela 'Império'. O resultado da experiência pedagógica foi o esperado desde o início: despertou curiosidade e um novo olhar. "Agora eles vão escrever uma história, não vão apenas sentar no computador, fazer uma pesquisa e imprimir", comemora Cirilo. Quem também vai ficar surpreso é o Papai Noel e as dezenas de pessoas  que no final do ano vão receber cartas e postais datilografados.

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