Já faz um tempo os chefs saíram da cozinha. Foram para as TVs, para os jornais, ocuparam o debate público. E, em geral, carregam a mensagem de que é possível comer melhor se você mesmo cozinha sua comida e abandona os alimentos processados – de quebra, é mais saudável. O inglês Jamie Oliver é um dos expoentes desse movimento: hiperativo, despachado, carismático e muito popular – a tal ponto que até as empresas que fazem os alimentos processados que ele recomenda deixar de lado o querem como aliado. Jamie Oliver foi contratado pelo Sadia (do grupo BRF, que teve lucro líquido de R$ 3,1 bilhões em 2015). A pergunta, então, é inevitável: ele traiu o movimento, se vendeu?
Nesta semana, o chef veio a São Paulo, conversou com jornalistas e falou com exclusividade ao Paladar. Ele anunciou oficialmente sua parceria com a empresa que é responsável pela produção de 18% do frango consumido no mundo. Em setembro, deve chegar ao mercado uma linha de comidas semiprontas com a assinatura de Jamie. O chef diz ter exigido como contrapartida, além de um dinheiro, claro (mas ele não revela o valor), a melhora na cadeia de produção da empresa, garantindo bem-estar animal, e um trabalho de educação com crianças – R$ 50 milhões teriam sido investidos nesse projeto, que atua em 183 aviários no Brasil. Os detalhes dessa operação – o que efetivamente seria feito para mudar essa cadeia de produção – não foram explicados.
No tom empolgado, agitado e confiante que lhe é particular, afirma: “Estou errado? Talvez. Mas, para mim, estar dentro dessa máquina, uma empresa que é responsável por 18% do frango no mundo, é algo positivo. E digo que, certamente, eu poderia estar ganhando mais dinheiro fazendo outra coisa. É claro, estou entrando num ambiente estranho, até incestuoso, complicado. Mas em um ano vamos conversar e eu vou te mostrar o resultado do que fiz.”
Além de lançar livros (o próximo chega às lojas em outubro), apresentar programas culinários na TV e ter redes de restaurantes pelo mundo (o Jamie’s Italian já tem duas filiais por aqui, uma em São Paulo, outra em Campinas), Jamie tem uma fundação com seu nome que organiza o Food Revolution, uma rede que está em mais de 120 países do mundo e mobiliza ativistas ligados à cultura alimentar, especialmente em escolas. Diante da notícia de sua parceria com a Sadia, alguns desses ativistas anunciaram desligamento da rede e o criticaram pelas redes sociais.
A eles a resposta sobre se traiu a causa é um pouco menos evasiva: “Entendo a posição dessas pessoas. Há dois ou três anos talvez não me associasse a uma empresa assim. Mas, se queremos uma grande mudança, precisamos das grandes corporações. Pode ser que eu esteja errado. Mas prefiro tentar”.
Jamie pede crédito citando seu histórico. “Há um ano e meio falei para minha equipe que iria me dedicar a criar um novo imposto no Reino Unido. Acharam que eu estava maluco. Mas, veja só, há três semanas foi aprovado o imposto sobre o açúcar – um momento histórico: vamos taxar as empresas de refrigerante e direcionar esse dinheiro, 500 milhões de libras, para educação alimentar das nossas crianças.” Ele lembra também a revolução na qualidade da comida servida nas escolas inglesas depois que ele começou a produzir documentários para a TV relatando o descaso com as merendas em seu país.
“Para ser bem honesto, seria a coisa mais fácil do mundo para mim ter minha hortinha orgânica e biodinâmica, ficar falando sobre o bem que ela faz – e eu acredito mesmo que ela faça muito bem. Mas orgânicos e biodinâmicos são acessíveis ao britânico ou brasileiro médio? Não. Então é uma questão estratégica e tática: para promover mudança em larga escala preciso atuar em larga escala”, diz o chef.
Questionado se serviria frango congelado da Sadia em seu restaurante, Jamie Oliver sai pela tangente: “Não, porque que ele não tem a ver com o estilo italiano da casa”.
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