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Comida

Na Copa Mundial do pão, deu Japão

Os bastidores do campeonato que mobiliza padeiros do mundo inteiro; Brasil levou ingredientes nacionais e inspirações indígenas para a competição

Os participantes brasileiros fazendo uma escultura com massa de pão durante a competição. Foto: Arquivo Pessoal/ Equipe Brasileira Mundial do Pão 2019Foto: Arquivo Pessoal/ Equipe Brasileira Mundial do Pão 2019

Já é uma tradição: a cada dois anos, sempre em outubro, a França recebe seleções nacionais de todo o mundo. Não, não estamos falando de futebol. Os bem-treinados times se encontram para um outro tipo de campeonato mundial, em que o campo é o forno. Trata-se da copa do mundo do pão

O certame é promovido pela Ambassadeurs du Pain, uma associação criada em 2005. “Nosso objetivo é promover em todo o mundo a panificação tradicional e artesanal”, conta ao Estado a porta-voz da entidade, Méline Thas. “E seus valores nutricionais e gastronômicos”, completa.

Os participantes brasileiros fazendo uma escultura com massa de pão durante a competição Foto: Arquivo Pessoal/ Equipe Brasileira Mundial do Pão 2019

A associação foi criada por dez fundadores, a maior parte deles reconhecidos com o tradicionalíssimo prêmio francês “meilleurs ouvriers de France”. Com o tempo, foi se expandindo e hoje tem associados de diversos países. “Um dos primeiros desafios foi criar uma competição internacional: Le Mondial du Pain”, recorda Thas. O primeiro campeonato foi em 2007 na cidade de Lyon. Neste ano, os competidores se reuniram em Nantes.

O campeonato

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São 16 seleções classificadas. Cada time é formado por um técnico, um padeiro e um assistente. Ao longo da competição, sob olhares atentos dos jurados, eles precisam fazer a tradicional baguete, com exatamente 250 gramas cada, e também apresentar suas invencionices - onde usam e abusam de ingredientes típicos de seu país de origem. 

O cronômetro é preciso: todas as equipes têm 90 minutos para preparar tudo no dia anterior à performance e 8h30 de trabalho para executar todas as receitas. Os jurados avaliam não só o resultado final - apresentação, textura e sabor - mas também como os times se comportam durante o preparo, da comunicação entre eles ao cuidado no manejo dos ingredientes. 

Participaram este ano Coreia do Sul, Mali, Peru, Taiwan, Suíça, Filipinas, Gana, Ucrânia, Costa do Marfim, China, Países Baixos, Japão, Bélgica, Itália, Brasil e o país-sede, França. O grande vencedor foi o escrete japonês, formado pelo técnico Ryuzo Abe, de 43 anos, e pelos padeiros Shuichi Osawa, de 33 anos, e seu assistente Haruko Kubota, de 22. 

Os vencedores no pódio doMondial du Pain Foto: Ambassadeurs du Pain

Eles partiram de um conceito natureba-intimista. Fizeram os pães imaginando que os mesmos seriam devorados por alguém “sozinho na floresta”, conforme explicou Abe ao Estado. “Ganhar o Mundial do Pão significa um começo para nós”, disse Osawa. “Termos recebido apoio de tantas pessoas e vencido a competição nos fez perceber que este é o primeiro passo. Iremos superar as dificuldades e os momentos difíceis para chegarmos ao próximo nível das habilidades e experiências dos padeiros.”

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O Brasil participou pela quinta vez da competição. O encarregado da seletiva nacional é o padeiro Johannes Roos, de 44 anos - que nasceu na Alemanha mas vive no Brasil. Ele é um dos mais de 100 embaixadores do pão, reconhecidos pela instituição francesa e espalhados pelo mundo, e trabalha na multinacional belga de panificação Puratos. 

Os competidores doLe Mondial du Pain de 2019, que ocorreu em Nantes, na França Foto: Ambassadeurs du Pain

“No ano passado, pedimos para que os profissionais interessados em participar entrassem em um site, enviando fotos dos produtos e respondendo a uma série de perguntas. Foram cerca de 1,2 mil inscritos”, conta ele. “Selecionamos 12 para a etapa presencial, em São Paulo.”

Então, os padeiros tiveram de executar receitas segundo os moldes da competição mundial. Os escolhidos foram Fernando de Oliveira, de 38 anos, da cidade de Vinhedo, e Lucas Mariano, de 21 anos, Mogi das Cruzes. Respectivamente, o primeiro como padeiro responsável e o segundo como assistente - pelo regulamento, Roos atua como técnico do time.

“As receitas são baseadas na cultura francesa de panificação”, explica Roos. “Assim, precisamos executar a baguete, o brioche, o croissant.” O espaço para as tradições locais está na escolha dos ingredientes (confira abaixo as ideias brasileiras apresentadas). 

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Do ano passado para cá, foi muita mão na massa. A equipe acumulou 130 horas de treinamentos, realizados na padaria de Oliveira, em Vinhedo. “Tudo para acertar as receitas, montá-las e conseguir executá-las no tempo máximo previsto”, explica Roos. 

As esquipes competidoras precisam fazer receitas francesas clássicas de pão, além de uma criação livre durante as 8h30do campeonato Foto: Arquivo Pessoal/ Equipe Brasileira Mundial do Pão 2019

Mesmo sem trazer o caneco para casa, eles avaliam como positiva a participação. “Estivemos entre os melhores do mundo. E adquirimos novos conhecimentos, aprendizados, novas técnicas e experiências. Isso faz toda a diferença na profissão e no dia a dia”, diz Oliveira. 

O assistente Mariano sabe que, no mundo do pão, o caminho da perfeição é longo. “Vim de uma família que atua no ramo da panificação há mais de 40 anos. Era praticamente impossível não seguir o mesmo caminho”, diz Mariano. “O mundo da panificação é desafiador e apaixonante, mas tenho de estar o tempo todo em evolução e estudos.”

“Participar do Mundial é uma maneira de divulgar a panificação. E inspirar novos talentos, atrair jovens talentos”, pontua Roos. Ele avalia que o sucesso dos japoneses se deu por uma característica sempre relacionada aos orientais: a disciplina. “O Brasil participou muito bem, nossa equipe fez um grande trabalho e mereceu reconhecimento e elogios dos jurados”, comenta o técnico. “Mas o nível dos japoneses foi extraordinariamente alto. Eles fizeram um trabalho impecável. Não teve para ninguém. Sempre se ressaltam pela disciplina e, não raras vezes, conseguem obter os melhores resultados.”

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Os brasileiros

Johannes Roos: nascido na Alemanha, filho de pai alemão e de mãe brasileira, vive no Brasil, mas acumula experiências em panificação em diversos países, como Alemanha, Argentina, Chile, Peru, Estados Unidos e Áustria. É chefe executivo da Puratos Brasil, membro do Ambassadeur du Pain e do Guild Sourdough, entidade que divulga a fermentação natural. 

Fernando de Oliveira: o padeiro, chef confeiteiro e chocolatier vive em Vinhedo, onde trabalha como diretor da Escola do Padeiro e Confeiteiro. Apresenta o programa Chefs em Ação da TV Aparecida. É autor de dois livros - ‘Confeitaria Clássica, Básica e Sofisticada’ e ‘Macarons para Todas as Ocasiões’. É um dos chefs escultores responsáveis pela confecção das mais de 200 peças esculpidas em chocolate no Mundo de Chocolate, em Gramado.

Lucas Mariano: o padeiro, cuja família atua no ramo da panificação há quatro décadas em Mogi das Cruzes, estuda para se aprimorar. Fez curso técnico de alimentos em 2018 e agora está cursando a graduação como tecnológo da área, pelo Senai, com conclusão prevista para o fim do ano que vem.

Os três representantes do Brasil na competição Foto: Arquivo Pessoal/ Equipe Brasileira Mundial do Pão 2019

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As receitas brasileiras

A pedido do Estado, o padeiro Johannes Roos revela detalhes de cada uma das oito receitas apresentadas no campeonato. 

Baguetes: “Utilizamos poolish (pré-fermentação) e longa fermentação, iniciada no dia anterior. A escolha do poolish foi para obtermos um adocicado na massa e mais aromas.”

Pão nutritivo: “Nosso pão foi feito com farinha de babaçu, que é um alimento extremamente rico em amido, vitaminas e sais minerais e também um alimento indígena, gérmen de trigo germinado e lentilhas. A germinação do trigo faz com que aumente o valor nutricional, que não se perde após assado.”

Respectus panis: “Longa fermentação em um processo resgatado do passado e aplicado nos dias atuais. Reproduzimos o ancestral pão de Pompeia, para trazer um modelo de um pão antigo.”

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Pão com ingredientes típicos: “Fizemos com jenipapo, fruta típica indígena para pintura corporal, com castanhas de licuri, que tem propriedades antioxidantes e ajuda na redução do colesterol, e amburana, que traz um aroma amadeirado e adocicado paera a massa. Tudo foi envolto com flocos de tapioca.”

Sanduíche: “Fizemos com pão de alfarroba com raspas de laranja, cream cheese com mel, presunto parma, queijo brasileiro tulha e gomos de laranja para o frescor. Também preparamos tartines, com pão de jenipapo, homus de beterraba, vegetais salteados, tahine, azeite de oliva, cogumelos, flores comestíveis, queijo de cabra, cenoura crua e sal negro. Uma proposta vegetariana que é tendência mundial.”

Brioche: “Fizemos duas versões, de maçã e de coco. Na primeira, maçã caramelizada com mel e massa de joconde e pâte feuilletée (massa folhada) e especiarias - canela, pimenta jamaica, coentro, noz-moscada e cassis. A segunda versão foi recheada com açaí e base de dacquoise, coco ralado e castanhas-do-pará.

Croissant: “Duas variações. A primeira: margarida recheada com culi de manga, maracujá e banana, creme exótico com financie e castanha-do-pará na base e pâte a choux. A outra: pain au chocolate recheado com brownie de chocolate com amêndoa de cacau e base sablé de chocolate.”

Peça artística (escultura feita com massa de pão): “Partimos do tema ‘olimpíadas indígenas’. Fizemos um índio segurando arco e flecha com o espírito da mãe natureza, no centro, representado por uma árvore. A ideia foi chamar a atenção para a necessidade de preservação da natureza.”

A peça artística, uma escultura feita com massa de pão pelos participantes brasileiros do campeonato Foto: Arquivo Pessoal/ Equipe Brasileira Mundial do Pão 2019

Durante o evento deste ano, a Ambassadeurs du Pain lançou a segunda edição do livro Respectus Panis. A obra traz uma receita brasileira: trata-se de um pão nutritivo feito com banana, desenvolvido pelo padeiro recifense Douglas Miguel - que representou o País no campeonato mundial de dois anos atrás. 

Bagagem de padeiro

E como conseguir babaçu na França? E jenipapo? O segredo está na bagagem. “Todos os ingredientes que são brasileiros foram trazidos na mala”, conta Johannes Roos. “Farinha de babaçu, castanha de licuri, jenipapo, castanha do pará… E também nossas próprias formas, moldes.”

Mas a dificuldade em contornar o excesso de bagagem não é só na viagem de ida. Entusiasta de invencionices e experimentalismos na panificação, Roos não resiste quando vê uma peça especial. “Comprei um moinho de trigo, de pedra, que pesa mais de 15 quilos. Não sei como vou conseguir levar para o Brasil”, diz ele. 

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