The New York Times
LONDRES — Pouco antes do almoço, numa segunda-feira recente, Jamie Oliver colocou seu avental, pegou um pilão - há tempos seu utensílio preferido na cozinha - onde colocou hortelã e favas e fez uma massa com os dois ingredientes.
Aquela adorável mecha de cabelo que ele tinha há 20 anos, quando começou a causar grande sensação na cena gastronômica popular como o Naked Chef agora foi cortada. Aos 44 anos, Oliver está mais para um professor de escola secundária, mais experiente, do que para o arrogante sujeito gozador que todo mundo queria ter por perto quando ele explodiu na TV. E aquelas bolsas sob seus olhos azuis? “Lamento, querida, estou um pouco cansado”, disse ele enquanto temperava um filé de linguado.
O dia começou antes das seis horas. Ele levou os filhos para a escola e depois seguiu para o depósito reformado ao norte de Londres que serve como seu quartel-general. Depois de um almoço com jornalistas, ele deveria se reunir com autoridades de Liverpool, Manchester, Birmingham e Londres, que vieram para forjar um plano para reduzir à metade as taxas de obesidade infantil até 2030.
Além disso, ele e sua mulher Juliette, conhecida como Jools, estavam exaustos com a mudança no fim de semana para uma mansão estilo Tudor do século 16, avaliada em US$ 7,2 milhões, não muito longe do pub dos pais dele em Essex. (Com certeza esse tipo de mudança é um pouco diferente de pedir a amigos para ajudá-lo a transportar um colchão num predinho sem elevador. Mas mudança é mudança, especialmente quando você tem cinco filhos, incluindo um agitadíssimo de três anos que passou a noite “saltando por todo lado como uma cascavel”.)
Não foi apenas a péssima noite de sono, a nova casa e o dia cheio que pesaram. “Provavelmente cheguei ao limite da minha capacidade nos últimos quatro anos”, disse ele.
Em maio, o Jamie Oliver Restaurant Group entrou em recuperação judicial. A companhia, segundo algumas notícias, deve a credores quase 83 milhões de libras (cerca de US$ 100 milhões). Oliver disse que tentou ao máximo manter sua empresa viva. Mas depois de fechar alguns restaurantes, investir o equivalente a mais de US$ 15 milhões do seu próprio bolso na empresa e buscar um novo investidor, ele acabou desistindo. No total, fechou ou vendeu 25 restaurantes e deixou mais de mil pessoas desempregadas.
Fechar seu primeiro restaurante, o conhecido Fifteen, em Londres, foi o que mais o afetou. Ele o abriu em 2002 para treinar jovens desempregados, muitos vindos de comunidades difíceis, a preparar e experimentar cardápios, fazer pasta fresca e manter próprio um salão de restaurante. “Foi a coisa mais difícil que tive de fazer. Terrível. Pavoroso”.
Ascensão em frente às câmeras
Seria fácil ver algo de Ícaro em Oliver, ou considerar sua saga uma lição de vida de uma pessoa que superou as expectativas. Mas é muito cedo para fazer uma reflexão profunda e isso não é, na verdade, o seu forte. Jamie foi um estudante preguiçoso, mas sabia como se virar numa cozinha, de modo que entrou numa escola de culinária. Foi subchefe do River Café em Londres, quando a equipe da BBC apareceu para gravar um documentário. Um produtor esperto viu o quanto a câmera o apreciava.
The Naked Chef foi lançado em 1999 na BBC Two, na Grã-Bretanha e um ano depois no canal Food Network nos Estados Unidos. O trabalho de câmera era instável e o estilo dele, cinético. Oliver congelava quando falava diretamente para a câmera, de modo que os produtores se afastavam para o lado enquanto faziam perguntas a ele.
Oliver conseguiu firmar um contrato com a Sainsbury’s, a segunda maior rede de supermercados da Grã-Bretanha, contrato que durou 11 anos e lhe rendeu US$ 12 milhões. Escreveu um livro de receitas que foi recorde de vendas. Era muito para alguém de 20 anos de idade.
Em 2008, ele abriu seu primeiro Jamie’s Italian, com ajuda do seu mentor, o chefe italiano Gennaro Contaldo. A ideia era mudar a gastronomia mediana. A carne vinha de animais com pedigree, em termos de tratamento. A manteiga era orgânica. Os salários pagos eram decentes e os preços, acessíveis. Os restaurantes ficavam repletos.
Ele inaugurou outras cadeias de restaurantes, incluindo a Barbecoa, de churrascarias de luxo, em parceria com o chefe americano Adam Perry Lang. No seu auge, Jamie Oliver servia 7,5 milhões de refeições no ano e empregava 4.500 pessoas.
Queda perante os tablóides
Raramente é somente um problema que derruba uma empresa e Oliver estava lutando com vários dragões ao mesmo tempo. Os impostos e o custo dos ingredientes que ele privilegiava subiram. Como também o aluguel, especialmente em áreas mais aburguesadas. Mas continuou a expandir, às vezes para bairros sem movimento suficiente.
Os restaurantes casuais se tornaram um chamariz lucrativo para os investidores e o mercado ficou repleto de concorrentes. As pessoas começaram a usar aplicativos de delivery de comida em vez de saírem para jantar. Depois que a Grã-Bretanha votou pela saída da União Europeia, em 2016, o valor da libra caiu. Os gastos no varejo despencaram. Os críticos começaram a se queixar da comida e do serviço dos seus restaurantes.
“Não há como dourar a pílula. Achei que conseguiria resolver os problemas, mas não foi o caso. Olho-me no espelho e sei que tentei tudo até o último minuto. Estamos sem dinheiro. Simplesmente.”
Embora ainda tenha muitos fãs, existem sempre os detratores. Eles zombam do seu sotaque e o responsabilizam pelas novas regras da merenda escolar que baniram alimentos como Turkey Twizzlers (basicamente batatas fritas e carne). Eles o chamam de hipócrita pelo seu acordo para vender comida saudável com a marca Oliver nos postos de gasolina Shell, apesar de sua cruzada contra a mudança climática.
Quando seu império veio abaixo, os tablóides foram particularmente cruéis. “Tem alguma coisa na psique britânica que se alegra com a derrota de pessoas bem sucedidas”, disse Nigella Lawson. “Você é ridicularizado neste país por desejar que o mundo seja melhor”. É difícil, diz ela, para uma pessoa que ficou tão famosa muito jovem, lidar com o mundo dos negócios. “É ótimo que algumas coisas boas sejam ditas sobre ele, porque Jamie vem atravessando uma fase difícil. Sem dúvida ele conseguirá reverter a sorte”.
E, agora, o que fica
Sob muitos aspectos, Jamie Oliver está aliviado em abandonar os negócios com restaurantes. Seu império agora é menor, com 120 empregados. Ele passa a maior parte do dia fazendo as coisas que ama: cozinhando, produzindo conteúdo sobre culinária e tentando fazer do mundo um lugar mais saudável para comer.
Outros empreendimentos que possui ainda rendem muito dinheiro. Vendeu um total de 27 milhões de panelas Tefal com seu nome e é fácil encontrar utensílios de cozinha dele na Amazon. Oliver assinou recentemente um acordo para se tornar o embaixador de saúde da Tesco, a maior rede de mercados da Grã-Bretanha.
A sua habilidade inata para se relacionar com o público ajudou-o a saltar para o conteúdo digital ao passo que outras estrelas da mídia gastronômica têm tido dificuldade em adaptar conteúdo feito para TV para plataformas como o YouTube.
Ele se mantém afastado do Twitter (@jamieoliver) – “não é uma plataforma que me torna uma pessoa mais feliz”, - mas aprecia o Instagram (@jamieoliver), onde tem 7,3 milhões de seguidores.
Seu canal no YouTube tem 4,4 milhões de assinantes. Sua média mensal nas mídias sociais chega a mais de 30 milhões de seguidores e seu público global de TV é de 67 milhões, diz Saskia Wirth, chefe de comunicações do Jamie Oliver Group.
Os livros, porém, continuam o motor que move a máquina Oliver: ele vendeu mais de 45 milhões – o equivalente a US$ 7,4 milhões só no ano passado. Segundo a Nielsen Book Research, é o autor de não-ficção mais vendido no país.
Jamie Oliver, que tem dislexia e, segundo, diz, um pequeno déficit de atenção, prefere ditar seus livros em vez de datilografar. Seus tópicos mudam com o tempo. Ele vai do comfort food para as superfoods numa guinada. Produziu refeições de 30 minutos, de 15 minutos, e outras que levam cinco ingredientes. Escreveu receitas de macarrão, queijo e abóbora para um livro de receitas de família e em 2018 interpretou pratos que aprendeu com as nonnas italianas. Seu último livro é Veg: Easy & Delicious Meals for Everyone, ainda sem data de publicação no Brasil.
Ele é criticado por pessoas que o acusam de apropriação cultural, pela maneira que adapta as receitas. É atacado pelos espanhóis por colocar chorizo na paella; pelos jamaicanos por cozinhar arroz com gengibre e pimenta jalapeño no microondas e chamar de Punchy Jerk Rice; e pelos africanos ocidentais por usar salsa e limão no arroz jollof.
Os pratos evoluem, impactados pelo comércio, pela guerra, fome e outras centenas de forças, diz ele.
“Os britânicos ainda hoje são apaixonados pelo fish and chips, portanto ficam realmente perturbados quando você diz, 'sabe que este é um prato judeu-português?’ Se quiser a cozinha britânica original, é cardo e repolho’”.
Apesar de todo o tumulto, seu casamento continua sólido. O casal planeja renovar os votos no 20º aniversário de união em junho. Oliver ainda usa a corrente de pescoço que sua mulher lhe deu quando começaram a namorar, onde está escrito “Amo-o sempre”.
Ela insiste num sexto filho, mas ele não está seguro. Não que não goste de ser pai. Ela se considera um “pai excepcional de 11 anos, mas talvez um pai adolescente acima da média”.
“Não sabia o que era ter sucesso em termos de educação, mas sabia como tinha os pés cansados e as mãos com bolhas de trabalhar. Portanto, isto significa que estou totalmente despreparado para duas meninas adolescentes que se preocupam em aprender e que se esforçam na escola”.
Sua filha mais velha, Poppy, será a primeira da família Oliver a entrar numa faculdade. “Este é um grande momento para nós”, disse Jamie.
Receitas de Jamie Oliver
No banco de receitas do Paladar, já publicamos algumas receitas do badalado chef inglês. Confira abaixo:
+ Salada toscana + Frozen iogurte de manga + Marinada de leite e ervas para frango + Líquido para picles
/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO