Um homem entra em um restaurante francês da moda em Tel-Aviv, senta-se à mesa, olha o menu e pergunta: “Você tem perninhas de rã?” O garçom responde: “Temos”. Ao que o homem emenda: “Então, vá até a esquina e me traga um falafel”.
A escritora Claudia Roden, egípcia criada no Cairo, conta essa anedota em seu livro The Book of Jewish Food (o livro da comida judaica, sem edição em português) para ilustrar o fato de que o falafel é a comida nacional de Israel. Mas, como tudo no Oriente Médio, esse fato é motivo de contestação.
ILUSTRAÇÃO: José Orenstein/Estadão
Há poucos anos, o ministro de turismo do Líbano declarou que Israel havia usurpado a receita que seria de seu país. Mas sírios, iemenitas e egípcios também discordam que o falafel seja libanês.
Em outro livro, The New Book of Middle Eastern Food (o novo livro da comida do Oriente Médio, também sem edição em português), Claudia Roden explica que a origem mais provável remonta aos coptas ortodoxos do Egito, uma das primeiras ramificações do cristianismo, ainda no século 1º. Na Quaresma, quando não se come carne, “as famílias produzem montanhas de ta’amia para comer e distribuir para amigos”. Em Alexandria, ta’amia é chamado de falafel (palavra árabe para pimenta ou apimentado). Dessa cidade portuária, o falafel teria se espalhado pelo Oriente Médio, através do Sinai até o Levante.
Há também quem sustente que o falafel teria origem ainda mais antiga, no Egito dos faraós, com registros sobre a forma como os reis o comiam.
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No Egito, desde os primeiros coptas até hoje, o falafel é feito de favas verdes, sem grão-de-bico. Já no Líbano, na Síria, na Palestina e na Jordânia atuais misturam-se as duas leguminosas. Em Israel, vai só grão-de-bico.
Os primeiros a fazer o falafel no país teriam sido os judeus iemenitas, que chegaram à Palestina na primeira metade do século 20 (antes da fundação de Israel, em 1948). Vendiam em barracas na rua uma versão apimentada que teria sido suavizada, com o tempo, pelos judeus romenos.
A bonita ideia de que a comida pode trazer paz desmorona feito um sanduíche de falafel mal montado. Árabes palestinos acusam israelenses de ter roubado um prato que lhes era tradicional, num processo de “israelização”do falafel. O falafel também está em disputa no conflito entre Israel e Palestina. Israelenses argumentam que, embora ele não seja tipicamente judaico, judeus orientais já o comiam há tempos no mundo árabe, onde viviam em coexistência pacífica. Dessa forma, os judeus de Iêmen, Síria, Iraque e Líbano só trouxeram para Israel a tradição que já cultivavam. E, com a fundação de Israel, o bolinho de grão-de-bico toma força como prato símbolo do país, adotado também pelos judeus europeus. No mundo árabe do Oriente Médio, segue também muito popular.
Pai do acarajé Há indícios de que o falafel e o acarajé sejam parentes. O bolinho de fava e grão-de-bico, comum no Oriente Médio entre os cristãos coptas do Egito desde o século 1º, teria viajado com os árabes pela África a partir do século 7º. Os iorubás, que viviam no que hoje é Nigéria, Benin, Togo e Camarões, teriam aprendido a prepará-lo com os árabes e trocado o grão-de-bico pelo feijão-fradinho – e batizado de acará. Muitos iorubás foram escravizados e trazidos ao Brasil, em especial à Bahia. O acará, de feijão-fradinho (hidratado, não cozido, como o grão-de-bico do falafel), frito no óleo de dendê, virou acarajé, símbolo máximo da cozinha baiana.