The New York Times
Aprenda a usar os cinco sentidos no preparo dos pratos e você vai cozinhar melhor – principalmente se aguçar a audição, o toque e também o olfato. Qualquer um que tenha alguma experiência sabe que cozinhar vai muito além do sabor: tem o toque (dar tapinhas na tampa para ter certeza de que está firme, por exemplo), o aroma (inspirar os cheiros que vão mudando conforme a massa começa a assar), o som (ouvir os chiados e as borbulhas) e a visão (ver os líquidos engrossando).
Quem é deficiente visual e não tem condições de ver a massa douradinha de uma torta ou o brilho dos ovos mexidos à perfeição sabe disso melhor que ninguém. A escritora Christine Ha, que vive em Houston, diz que o tato se tornou seu guia na cozinha desde que começou a perder a visão, logo depois de entrar na faculdade. “É como se as pontas dos meus dedos fossem meus olhos. Consigo aprender mais pelo toque do que jamais imaginei possível”, revela. Ela aprendeu a cozinhar depois de perder 90% da visão. Mais impressionante ainda, então, é o fato de, em 2012, ter vencido a terceira temporada de MasterChef nos Estados Unidos.
Ela começou preparando os rolinhos primavera da mãe, analisando sua composição através do toque e da audição, além do paladar e do olfato. Os dedos testavam a textura da massa; ouvia o som do óleo borbulhante quando jogava um tiquinho do recheio para testar a temperatura; batia nos rolinhos com as pinças para se certificar de que a casquinha estava crocante e cheia de bolhas.
David Linden, neurobiólogo da Universidade Johns Hopkins e autor do livro Touch, explica que as pontas dos dedos das pessoas que nascem sem a visão e das que aprendem a ler em braile acabam ficando mais sensíveis. “A audição e o tato se tornam mais precisos na ausência da visão”, afirma. A parte do cérebro dedicada a colher informações dos olhos diminui fisicamente, ao mesmo tempo em que as partes que recebem sinais dos ouvidos e das terminações nervosas, sensíveis ao toque, crescem. Porém, segundo Linden, não há adaptação comparável para quem perde a capacidade de sentir gosto e cheiro.
Muitas dicas importantes na cozinha não têm nada a ver com a visão ou o paladar: distinguir o som da fervura e o borbulhar do cozimento brando; saber a diferença de consistência entre um bife malpassado e um no ponto; morder o macarrão para testar o ponto. Os melhores cozinheiros aprendem a trabalhar não só com as papilas gustativas, mas sim com todos os sentidos.
Edna Lewis, uma das maiores referências da culinária do sul dos EUA, ensinava a ouvir o bolo para saber se está pronto. “Se ainda está assando, faz pequenos ruídos, como se estivesse soltando borbulhas, estalando; no ponto, ele fica silencioso.”
Kate McDermott, autora de Art of Pie, descreve como chiado-plomp o som que a torta produz quando chega ao ponto. “O chiado é o som da manteiga cozinhando a farinha da massa, transformando-a em uma tampa crocante e dourada; plomp é o recheio borbulhando e batendo na tampa da massa”, diz.
O nova-iorquino Justin Smillie criou o prato de costela que o fez famoso procurando não um determinado sabor, mas uma textura específica. “Eu sabia como conseguir o gosto que imaginava, mas achar a consistência foi complicado.” A casquinha crocante com o interior macio faz, segundo Linden, a textura mais popular na cultura humana. “A culinária sensorial é o oposto da técnica. As fórmulas que você aprende não farão de você um chef; cozinhar com os sentidos, sim”, afirma.
Explorar a comida multissensorialmente está em alta, desde que Heston Blumenthal pôs fones de ouvido nos clientes para que “ouvissem” seu prato e Grant Achatz serviu um sopro de lavanda no Alinea (que chegava à mesa numa almofada).
O elemento mais recente é a relação entre a comida e a resposta sensorial autônoma do meridiano, ou ASMR (na sigla em inglês). Estado sensorial recém-definido, a ASMR é o arrepio de prazer que se espalha no escalpo, parte superior das costas e ombros como reação a sons tranquilizantes. Inclui sussurros, páginas virando ou a escovação do cabelo. Agora os fãs da ASMR descobriram a comida. Em séries de vídeo como Silently Cooking e Peaceful Cuisine não há diálogos, música, nada que distraia a atenção dos sons do preparo do alimento: a faca raspando o chocolate, a cadência rítmica de um batedor fazendo claras em neve, o glug-glug do azeite caindo na panela.