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Comida

Ricota, prazer: versão artesanal do queijo é bem diferente das industrializadas

Esqueça as versões secas e esfarelentas do mercado e descubra a cremosidade da ricota de verdade, artesanal, feita como na Itália

Concorrida ricota da Lano-Alto. Foto: Peèle LemosFoto: Peèle Lemos

Foi em 2018, aos 35 anos, que Peèle Lemos comeu ricota pela primeira vez. “Até então, eu achava que conhecia ricota e que não gostava”, diz. Mas, durante um curso com um mestre queijeiro italiano, descobriu que ricota de verdade, artesanal, é cremosa, tem sabor delicado, complexo – bem diferente das versões industrializadas.

A reputação da ricota não é mesmo das melhores. Culpa do seu baixo porcentual de gordura – para não citar a textura esfarelenta e o sabor insosso –, que lhe rendeu a carapuça de “queijo light” e a tornou mais comum nas prescrições de dietas do que na mesa dos restaurantes. Por sorte, produtores artesanais e alguns chefs metidos a queijeiros vêm trabalhando para reverter a má fama.

Concorrida ricota da Lano-Alto. Foto: Peèle Lemos

Na Lano-Alto, de Peèle e Yentl Delanhesi, a receita segue a cartilha daquele mestre italiano. “Existem diversas maneiras de fazer ricota, nós testamos todas”, contam, mas nenhuma chegou perto da lembrança da primeira vez. Assim, a ricota da fazenda em Catuçaba é feita com apenas dois ingredientes: soro de leite e sal. E rende pouco: apenas 5% desse soro vai, de fato, virar queijo. “Daria para acrescentar leite, aquecer por mais tempo para fazer render mais, mas tudo isso interfere no sabor e na textura”, explicam.

São 80 ricotas por semana, metade para vendas avulsas e outra metade para compor o combo café estendido, que inclui iogurtes, mel silvestre e meia dúzia de ovos caipiras. Mesmo com o limite imposto de duas ricotas por pessoa, as 40 unidades vendidas soltas esgotam no site em poucas horas – acredite, é bem difícil conseguir arrematar um exemplar. “A gente brinca que tem a gangue da ricota, que já tem toda uma estratégia de compra”, conta Peèle. Aqui vai a dica: assine a newsletter da casa, porque é lá que eles anunciam primeiro a liberação das vendas no site, sempre nas noites de quarta. Quando sobem o post no Instagram (@lano_alto), já quase não restam unidades.

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Na Brivido, além da ricota fresta, há uma versão defumada com lenha de cerejeira. Foto: Agência Doppioclick

Ricotto, em italiano, quer dizer recozido, e remete ao processo de fabricação da ricota, que é feita a partir do soro que escorre durante o preparo de outros tipos de queijo. Como esse líquido é rico em proteína, ele é cozido novamente (daí o nome!) e submetido a um choque ácido – provocado pela adição de soro fermentado, suco de limão, vinagre ou ácido láctico – para coagular, dessorar e virar ricota.

Foi difícil emplacar a venda de ricota na paulistana Brivido. Francisco Lobello, mestre queijeiro, conta que tentava mandar ricota de brinde para clientes que tinham comprado outros tipos de queijo e recebia em resposta: “Nem precisa mandar, não gosto”. Hoje em dia, depois de muita insistência, o jogo virou e a ricota cremosa, feita a partir do soro que escorre do queijo fresco, além de um pouco de leite e de creme de leite, “para aumentar o porcentual de gordura”, é um dos itens de melhor saída.

+ Veja como fazer uma "ricota possível" e bem cremosa em casa

Francisco morou por dois anos em Roma, onde conheceu a verdadeira ricota italiana. Para fazer o ajuste fino de sua receita – e deixá-la parecida com a de lá – foram necessários quatro meses de testes. “Fazer ricota é muito sensorial. Tem que fazer devagar, ir acertando o ponto, a cremosidade”, afirma. Além da versão tradicional, ele prepara uma opção defumada com lenha de cerejeira, que vai parar no recheio de massas artesanais em um dos clientes para quem fornece. “Trata-se de um processo de defumação a frio, para não tirar a tão desejada umidade da ricota”, explica.

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“Não conte a um italiano”

É com esse pacto com o leitor que a chef Gabriela Barretto compartilha a receita de uma “ricota possível, caseira e beeem boa” no seu livro Como Cozinhar Sua Preguiça. Seu modo de preparo não é nada tradicional, “nem de longe”. No lugar do soro do leite, entram apenas leite integral, creme de leite fresco, sal e vinagre de vinho branco. “É um truque que fica bem parecido com as ricotas que comi na Itália”, conta a chef.

Ricota do Futuro Refeitório, feita com leite e creme de leite. Foto: Gui Galembeck

Se você não quiser se aventurar nessa empreitada culinária, a boa notícia é que essa mesma ricota – cremosa, com consistência de pasta –, está à venda em potes no Futuro Refeitório, em Pinheiros. Ela também aparece besuntando a fatia de pão de fermentação natural tostada com manteiga noisette ou como “ingrediente estrela” de massas como o orichietti com tomatinhos assados, limão-siciliano, manjericão, amêndoas e pangrattato.

No Cór, a ricota do chef Marco Aurélio Sena é feita a partir do leite de vaca aquecido e acidificado com suco de limão. Depois de 24 horas na dessora, ela é temperada com azeite, flor de sal e pimenta-do-reino e vai parar na tostada de beterraba assada e no nhoque de abóbora selado na manteiga, com manjericão e castanha. O líquido que escorre da ricota é usado na finalização das massas do cardápio para emulsificar e acrescentar acidez. “É o aproveitamento total do ingrediente”, afirma o chef.

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Deleites

A técnica empregada é a mesma, mas o grande diferencial da ricota da queijaria Rima, em Porto Feliz (SP), é o leite de ovelha. O ingrediente a deixa ainda mais cremosa e com sabor típico, que junta acidez e doçura numa só bocada. A receita – aprendida em Portugal, onde é chamada de requeijão – leva apenas soro, bicarbonato de sódio, “para regular a acidez”, ácido láctico e nenhuma pitada de sal. “Como a ricota é ingrediente tanto de pratos salgados como de sobremesas, optamos por mudar o modo de preparo de alguns dos nossos outros queijos – os que pediam adição de sal antes da dessoragem – para não salgar o soro destinado a fazer ricota”, conta Maria Clara Serra, sócia da queijaria.

Ricota de ovelha, da queijaria Rima. Foto: Ivam Grambek

No bar de vinhos Beverino, na Vila Buarque, a ricota da Rima é usada no incremento de pratos como o mandilli com pesto de rúcula e bottarga, e no recheio do ravióli ao sugo de tomatinhos-cereja amarelos. “Ela é um tanto mais leve que a ricota tradicional, com uma acidez boa para equilibrar alguns pratos”, diz o sommelier e dono do bar, Bruno Bertoli. No menu semanal, há ainda chances de encontrar a torta doce de ricota de ovelha, compota de amora e pasta apimentada gochujang.

Já no novo Fattoria Ráscal, a versão do molho alla Norma da chef Nádia Pizzo combina ricota de búfala ao sugo de tomate, berinjela, ora-pro-nóbis, manjericão e pimenta calabresa. “Originalmente, essa receita se faz com uma ricota mais seca, desidratada, que é ralada sobre o prato como se fosse um parmesão. Mas eu queria que esse prato (um cavatelli, no caso) tivesse um queijo com textura mais cremosa, como essa ricota de búfala fresca, que aromatizo com raspinhas de limão-siciliano”, explica Nádia.

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