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Le Vin Filosofia

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O que valorizar numa vinícola?

Reconhecida como uma das vinícolas mais importantes do mundo, a espanhola Torres aposta em projetos de inovação e sustentabilidade. Confira entrevista com seu CEO

A vinícola espanhola Torres tem um trabalho pioneiro de recuperar variedades ancestrais. O projeto começou há três décadas, com a publicação de anúncios nos jornais da Catalunha, convidando todos aqueles que desconheciam quais eram as variedades plantadas em seus vinhedos a procurar a Torres.

A ideia era encontrar cepas antigas, deixadas de lado ao longo do tempo. São variedades teoricamente mais bem adaptadas ao terroir local e, principalmente, mais resistentes às mudanças climáticas. Trabalhoso e demorado, o projeto deu frutos, e hoje a Torres conta com sete uvas identificadas e replicadas, sem vírus, em seus vinhedos.

Vinícola Torres em Mas La Plana Foto: Jordi Elias

Este projeto é apenas uma das apostas da empresa, que conquistou no começo do ano o título de marca de vinho mais admirada do mundo, promovido pela publicação Drinks International. É a quinta vez, nas 11 edições, que a Torres ganha o prêmio, entre as milhares de vinícolas pelo mundo afora. E que lança a pergunta: o que faz os especialistas admirarem a vinícola?

Miguel Torres Maczassek, CEO e membro da quinta geração da vinícola fundada há 150 anos, responde à questão apresentando os projetos que vem realizando, focados em saídas para o aquecimento global e em elaborar vinhos em vinícolas históricas. O primeiro da lista, claro, é o das vinhas ancestrais, onde ele se diz encantado pela forcada, a principal variedade branca recuperada. “Ela resulta em um vinho de muita acidez e capacidade de envelhecer bem”, afirma Torres.

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A quantidade de hectares revela a empolgação de Maczassek. Em 2016, a Torres tinha 2,8 hectares plantados com a forcada; agora, já são 20, e o plano é expandir, não apenas em vinhas próprias, mas em mudas distribuídas aos interessados. Ao todo, a Torres conta com mais de 2 mil hectares de vinhedos, entre Espanha e Chile.

Atualmente, a focada dá origem a um vinho varietal e a moneu entra no blend do Clos Ancestrais. Ainda é pequena a quantidade, mas a ideia é aumentar a sua participação, conforme suas videiras vão crescendo. Entre as demais variedades estão a querol, a gonfaus e a pirene.

Família Torres. Vinícola espanhola fundada há 150 anos Foto: Acervo pessoal

Outro projeto é o de cultivar vinhedos em terrenos mais altos, para driblar o aumento da temperatura. Maczassek destaca dois vinhedos: o El Tossal, no Priorato, com vinhas a 750 metros do nível do mar, e o El Encostas, no Penedes, a 730 metros. “Estamos plantando vinhedos em lugares impensáveis até alguns anos”, diz ele. Os dois vinhedos trazem desafios. No primeiro, vinhas foram plantadas nos últimos três anos, mas no inóspito Priorato são necessários dez anos para ter certeza que o vinhedo dará bons frutos. No Penedes, o vinhedo já existia, todo erguido em terrazas de pedra, mas foi abandonado com a chegada da mecanização. Além da dificuldade de amadurecer as uvas, o vinhedo não permitia o trabalho do trator.

Os dois projetos resultam da preocupação com o amadurecimento das uvas com a subida constante de temperatura. A vinícola é uma voz atuante no combate ao aquecimento global. Desde 2008 tem um projeto de redução das emissões de carbono – a meta é chegar em 55% em 2030 -, além de ser a fundadora da International Wineries for Climate Action, grupo de vinícolas engajada na descarbonização do setor.

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Há ainda a aposta na chamada viticultura regenerativa, na qual a vinha deixa de ser uma mono-cultura e é cultivada junto com outras plantas e em terrenos com muitos animais. E o projeto de isolar leveduras autóctones, liderado por Mireia, irma de Maczassek. São leveduras presentes nos vinhedos e que devem ser utilizadas na fermentação de seus vinhos. Por enquanto, já foram separadas mais de 50 leveduras, utilizadas apenas em vinhedos premiuns, como o Mas La Plana. O plano é estender o projeto para os demais vinhos.

Videira do vinhedo deMas La Plana Foto: Jordi Elias

Por fim, tem o projeto de valorizar vinhedos antigos e suas histórias, como o Purgatori, cultivado por monges em Costers del Segre no século XVIII. Aos interessados, os vinhos da Torres são importados pela Cantu.

“Estamos plantando vinhedos em lugares impensáveis até alguns anos”

Confira a entrevista com Miguel Torres Maczassek

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Qual a importância da premiação de marca de vinhos mais admirada, em eleição com sommeliers, importadores, críticos de vinho? Estamos muito contentes, é uma premiação importante, mas no dia seguinte, temos de trabalhar igual. 

A Torres é muito identificada com a preocupação com as mudanças climáticas. Estamos lutando contra as mudanças climáticas, num projeto que começou em 2008 de reduzir as emissões de SO2. Já baixamos para 30% e trabalhamos para reduzir 55% até 2030. Estamos trabalhando para cumprir essa meta. Estamos plantando muitos bosques no sul de Chile, na Patagônia. Compramos terrenos grandes, que nos permite compensar as emissões. E tem a International Wineries for Climate Action, uma associação de vinícolas que atuam para promover a descarbonização do setor.

Como o aquecimento global impacta nos vinhedos? Um exemplo é que estamos plantando vinhedos em lugares impensáveis até alguns anos. Estamos plantando vinhas no terreno mais alto no Priorato, há 750 metros de altura do nível do mar, e com um solo com pedra pizzara, que é um terreno autêntico da região. É um trabalho de ir encontrar esses lugares onde antes a uva não maturava e que, pelas mudanças climáticas, pensamos que vai amadurecer. Um exemplo é um vinhedo na montanha El Tossal, em Porrera, que é um dos vales clássicos de produção de vinhos. Estamos plantando vinhas há três anos, mas no Priorato tem de esperar mais de 10 anos para dar boas safras.

A busca por vinhedos em áreas de maior atitude ocorre pelas mudanças climáticas ou pelas novas tecnologias, que permitem conhecer melhor o terreno, as uvas? Aqui, é pela mudança climática. Antigamente, tinha vinhas nesta região do Priorato, mas fazia tanto frio, que as pessoas abandonaram e foram mais para baixo, onde tinha mais calor e era mais fácil fazer vinho. Agora, estamos com temperaturas mais altas. A temperatura sobe 1 grau, às vezes 1,5 grau em algumas zonas, o que permite a viticultura nestes lugares. Outro local que estamos plantando em altura é no Penedes. Em El Encostas, temos uma vinha a 730 metros, que antigamente chegou a ter vinhas, com vinhedos com terrazas de pedra, que era uma tradição antiga. Mas quando chegou o trator há muitos anos, esses campos foram abandonados e, pouco a pouco, os bosques foram invadindo o lugar. Com permissões especiais para tirar as árvores, estamos voltando a plantar vinhas. Neste vinhedo estamos plantando a forcada, que é uma das variedades ancestrais.

Foi nesta zona que a forcada foi encontrada? As ancestrais foram encontradas em mais de um lugar, porque antigamente não existia o mono-cultivo, não existia um vinhedo apenas com garnacha ou de cariñena. Encontramos as ancestrais em diversos lugares da Catalunha e estamos procurando entender qual o melhor lugar para cada variedade.

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Ela é fermentada com as leveduras comerciais ou com as indígenas? A minha irmã tem um projeto de isolar leveduras autóctones. Muita gente diz que fermenta com leveduras autóctones porque não adicionam leveduras durante a fermentação, mas o processo é mais complexo do que isso. É preciso entender quais são as nossas leveduras autóctones e como elas atuam na fermentação. Por isso, estamos isolando as leveduras de cada vinhedo que temos. Em Mas la Plana [vinho elaborado apenas com cabernet sauvignon no Penedes], podemos encontrar 50 leveduras diferentes. E experimentamos cada levedura para entender o que cada uma aporta ao vinho. Algumas são importantes no começo da fermentação, outras no final, outras aportam mais densidade ao vinho. Tem sempre um time de leveduras atuando. 

A ideia é replicar para os outros vinhedos? Agora, estamos com este trabalho em Mas La Plana, Mas de la Rosa, no Priorato, e Grans Muralles, em Conca de Barberà, em Tarragona. É um processo que é caro. Mas sempre digo que são a Fórmula 1, onde se aprende muita coisa e replica para os outros carros.

E nos vinhedos, quais os cuidados? Trabalhamos com a viticultura orgânica há alguns anos. Mas tinha alguma coisa da agricultura orgânica que era falha, porque ela não falava nada de aquecimento climático, de emissão de carbono. No orgânico, podemos usar o trator, que também contamina. Não nos sentíamos muito cômodos com isso e fomos atrás da viticultura regenerativa, que é ir mais a frente do orgânico. É como a viticultura de carbono. A maneira de tratar as nossas terras tem de ajudar a captar o carbono e colocá-lo novamente no solo.

Mas como funciona? Primeiro é ter o campo sempre verde. Não achar que há ervas ruins; todas as ervas no vinhedo são boas. Tem de saber manejá-las, garantir que as coberturas naturais vão ajudar a absorver o gás carbônico. Trabalhamos as raízes, tem técnicas para incrementar a matéria orgânica, para criar uma terra com mais húmus, que tem a capacidade de sequestrar o carbono. A viticultura regenerativa é imitar a natureza. É uma nova forma de arar o solo, com um arado vertical, que manter a cobertura vegetal. Utilizamos animais, como as ovelhas, para que comam as ervas e ajudem a fertilizar o solo. Nossas experiências mostram que, assim, as vinhas vão se equilibrando cada vez mais e necessitam menos tratamento de orgânico. Mas não podemos mudar tudo para essa maneira de uma hora para outra, é um processo, que deve se consolidar em dez anos.

Onde faz a agricultura regenerativa? Estamos com parcelas experimentais, em Mas la Planta e em Mas de la Rosa. Em cinco anos, vamos chegar a 500 hectares dos nossos 2.000 hectares entre Espanha e Chile com a viticultura regenerativa.

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E o projeto das variedades ancestrais? O projeto começou há 30 anos. No final do século XIX, a filoxera matou muitas variedades e, quando se replantou, foram escolhidas as variedades que estavam na moda, mas deveria ter variedades que resistiram e que ficaram esquecidas. Decidimos colocar anúncio no jornal, e as pessoas começaram a nos chamar. Tinha variedades por toda a Catalunha. Às vezes estavam mal plantadas, algumas que estavam estar mais perto do mar e estavam nas montanhas. Em cada variedade, analisamos a genética, pelo DNA. Quando encontramos umas dessas variedades ancestrais, normalmente estava doente. Era preciso esperar a primavera, tirar as células vegetais da parte saudável e fazê-la crescer sem vírus. Vamos plantando e fazendo experimentos, ver qual matura antes, qual depois, qual tem mais resistência. Recuperar uma planta leva entre 12 e 19 anos. Às vezes, se equivoca, tem de plantar pelo menos duas vezes para ver se está no lugar certo.

Porque na Catalunha e não em toda a Espanha? Porque é um lugar que faz vinhos há mais de 2.700 anos. Quando os fenícios chegaram, ensinaram técnicas para os habitantes que lá estavam, depois vieram os gregos, os romanos. O mediterrâneo foi um lugar de cruzar culturas, enquanto outras regiões da Espanha ficaram isoladas.

E quais são os vinhos elaborados com as ancestrais? Temos um elaborado com a forcada, que para mim é uma das melhores variedades brancas. E estamos lançando Clos Ancestral, que tem cerca de 7% de moneu, uma variedade ancestral tinta, numa assemblagem com tempranillo e garnacha. A participação do moneu vai crescer, conforme a gente tiver uvas suficientes, mas não será um 100% varietal. Antigamente, não tinha vinhos mono-varietais e vamos recordar isso. 

A quinta geração parece ter uma preocupação histórica com os vinhedos. Como família Torres, com os anos, fizemos um mosaico de vinhedos na Espanha e no Chile e sempre queremos mostrar um pouco das nossas propriedades históricas. Não são só as vinhas, mas o terroir, a história, como Grans Muralles, em Conca de Barberà, em Tarragona; Mas de la Rosa, no Priorato, o Purgatori, em Costers del Segre. Se hoje nós elaboramos vinhos nestes lugares, não podemos esquecer que muitos anos atrás também se elaborava vinhos aí. Em exemplo é que recuperamos os vinhedos de um monastério do século XVIII. E isso é o bonito, é a continuação. No Purgaroti, era uma propriedade dos monges beneditinos de Montserrat. Antigamente, os monges que não cumpriam com as ordens, iam trabalhar nesta abadia e faziam vinhos e azeite no 1770.

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