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O encontro da gastronomia com a sustentabilidade

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Prato-cabeça

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Cogumelos não são vegetais nem animais. E agora o momento é deles

Rotulados como alimento do século, os cogumelos pertencem a um mundo próprio, e seu consumo cresce mais do que o de qualquer outro alimento

Mais de dois mil especialistas do mundo inteiro se reuniram, na semana passada, no XVI Congresso Mundial de Etnobiologia, em Belém. Antes tarde do que nunca, grandes simpósios científicos começam a contemplar saberes tradicionais e a se preocupar com comida. Enquanto eu coordenava a inédita e lotada sessão sobre gastronomia, presenciei um momento extraordinário e casual.

O índio Rezende Yanomami estava apresentando o trabalho de sua comunidade com os cogumelos Sanöma, quando reconheci um senhor de idade que entrou na sala e se sentou ao fundo. Era Sir Ghillean Prance, um dos maiores botânicos e taxonomistas vivos. Lembrei que ele fez pesquisas nas terras Yanomami, assim levantei e fui até ele para perguntar se não queria dar uma palavrinha.

Cogumelos. Mix de espécies colhidas por índios Foto: Rubens Kato

Prontamente aceitou e contou para a plateia como, nos anos 1960 e 1970, chegou a classificar 16 espécies de cogumelos na região da comunidade de Awaris. Ora, trata-se exatamente da comunidade do Rezende. Ao trocar umas palavras, os dois logo repararam que quem guiou a pesquisa de Prance na época foi... a avó de Rezende. Nem preciso contar sobre a emoção do velho cientista – e de todo o auditório – ao reparar que 13 daquelas espécies hoje fazem parte da mistura de cogumelos que chega ao mercado de grandes cidades e representa importante fonte de sustento para aquelas comunidades. Mas o episódio é merecedor de uma reflexão bem maior.

É o momento dos cogumelos. Eles fogem do dualismo vegetal-animal. Mais próximos – geneticamente – do segundo, pertencem a um mundo próprio, sendo inclusive aceitos pelos vegetarianos menos radicais. São os únicos organismos capazes de transformar fibras, resíduos e madeira diretamente em comida. Agradam tanto nutricionistas quanto glutões. Seu consumo cresce mais do que o de qualquer outro alimento: acima de 8% ao ano, globalmente. Silvestres ou cultivados, frescos ou secos, têm diversidade e versatilidade.

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Podem ajudar na mitigação da crise climática e no crucial desafio de adaptação a ela. Aptos para produção familiar e comunitária, contribuem para a segurança alimentar e a renda sustentável no campo.

Se mundialmente são rotulados como alimento do século – ou pelo menos, da primeira metade deste em que estamos – o Brasil guarda com eles uma relação contraditória: de um lado, temos um patrimônio único em cogumelos comestíveis, com centenas de espécies. Do outro, apesar de termos dobrado seu consumo na última década, chegamos a meros 160g por pessoa/ano, versus os 2 kg dos europeus ou os 8 kg dos asiáticos. O pouco que consumimos é ironicamente de cogumelos exóticos, pois o conhecimento sobre domesticação, produção, coleta e uso dos nativos é relegado a poucos cientistas e algumas comunidades indígenas, que em geral carecem de condições para acessar os mercados.

Um produto como a mistura em pó de cogumelos Sanöma é curinga no preparo de molhos, emulsões, massas. Pode ser usado como elemento principal ou como saborizador. O encontro histórico do cientista com o índio precisa passar a incluir logo o cozinheiro e o consumidor.

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