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O paradoxo do açaí

Enquanto aparece em dezenas de novos produtos, a fruta do açaizeiro, uma palmeira amazônica, praticamente não entrou no mundo da culinária

Vinte anos após se tornar conhecido fora da Amazônia, o açaí segue como grande incompreendido. Não é comum que uma produção florestal consiga multiplicar vinte vezes seu valor em menos de uma década. Mesmo assim, seu sucesso é cravado de paradoxos.

Enquanto aparece em dezenas de novos produtos – na forma de suplemento e sem sequer informação sobre sua porcentagem na composição – o ingrediente praticamente não entrou no mundo da culinária.

Paradoxo. Fruta ainda é pouco usada na cozinha Foto: Paulo Santos|Reuters

Ao mesmo tempo em que seu manejo ou cultivo representam ótimas opções para uma economia sustentável de base florestal, às vezes gera práticas questionáveis e agressivas de substituição da mata ciliar, ou na segurança do trabalho. Junto com sua reputação global – e com a proliferação de produtos que ostentam sua presença – não se desenvolveram arranjos locais em torno de sua diversidade, nem reconhecimento do mercado por ela: açaí roxo ou branco, de várzea ou terra firme, etc.

Tais paradoxos afetam todos os elos da cadeia, incluindo academia, comércio, cozinha, produção, comunicação, consumo, indústria. Tanto que nem podemos sequer falar de uma cadeia, apesar do produto gerar, só na produção primária, um valor que passa de R$ 6 bi por safra.

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A cozinha é o principal instrumento que pode aproximar as partes e nivelar conceitos. De três maneiras: aproveitando a diversidade de usos culinários possíveis, usando polpa verdadeira em vez de xaropes e diluições enganosas, e, finalmente, escolhendo um açaí produzido de acordo com as melhores práticas socioambientais.

Até hoje, a última opção estava fora do alcance do consumidor comum, e até do segmento de food service. A boa notícia é que agora há a possibilidade de encomendar – nas principais cidades brasileiras – um excelente açaí com a certificação FSC (Forest Stewardship Council), que engloba os mais avançados critérios ambientais e sociais (a mesma certificação dos melhores café e de algumas carnes especiais brasileiras).

Vem do Bailique, um arquipélago de oito ilhas deslumbrantes, no Amapá. É processado, congelado e comercializado pela mesma cooperativa dos produtores, Amazonbai, permitindo reduzir preço ao consumidor e ainda monitorar todo o processo, rastreando cada lote por família produtora. E tem seu terroir especial, com muita personalidade.

A amiga sommelière Gabi Monteleone conseguiu definir bem algo que desde o começo me parecia remeter ao mar... quando o definiu “iodado”. Já pode ser comprado pelo amazonbai.com.br mas promete estar logo à venda no Mercado de Pinheiros, em São Paulo.

E aqui podemos começar a restabelecer, também, a primazia da cozinha. Nada contra os que vendem açaí como um suplemento.

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Desde que o façam honestamente, claro: dizendo quanto açaí estão de fato lhe vendendo, sem afirmar que é um “berry”, porque berry não tem caroço, e sem dizer que você ganha tantos anos de vida a cada 10 gramas/dia que você toma. O problema não são eles, é nossa escassa capacidade de valorizar o produto no mundo a que pertence, o da comida! Sua versatilidade vem principalmente de seu alto teor de gordura.

Testei – para o Paladar – o açaí do Bailique em diversos preparos, inclusive um purê morno – 60% de açaí grosso, 40% de batata-doce e uma pitada de sal – que agrada de crianças a gastrônomos céticos. Comprovou que não é preciso ter nascido ribeirinho para apreciar esse famoso incompreendido no dia a dia da cozinha!

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