Algumas casas começaram num endereço e pularam de imóvel ao longo de décadas. Outras fizeram concessões em seus cardápios para atender tanto a clientela que gosta de pizza de massa fina quanto a que quer comer camarão à grega com batatas portuguesas. Ainda tem as que interromperam o funcionamento por um breve tempo e retomaram as atividades sob o mesmo nome, mantendo a tradição.
Num caso ou noutro, todos os lugares que integram o livro 50 Restaurantes com mais de 50, que a chef Janaina Rueda e o jornalista Rafael Tonon lançam na próxima terça-feira (16), guardam em comum a memória de terem enfrentado crises e planos econômicos diversos, modas da clientela, a mudança do mundo analógico para o digital, brigas nas administrações familiares - e, ainda assim, a façanha de terem sobrevivido a tudo isso para contar história.
O título, que sai pela editora Melhoramentos com fotos e uma receita de cada casa, é um convite dos autores - literalmente, um convite que eles fazem no prefácio: “Frequentar esses estabelecimentos não é só um afago na memória, é, antes de tudo, um ato de civilidade.”
A ideia surgiu há uns três anos, na época de entrega do prêmio 50 Best, ranking que elege os 50 melhores restaurantes do mundo, quando Janaina e Tonon pararam para pensar nessa “obsessão” com o número 50. Por que então não falar dos mais longevos? E começaram a visitar as casas para ver no que poderia dar.
Janaina puxou da memória lugares que frequentava desde criança com sua mãe, Rejane, assídua cliente e amiga de muitos donos de restaurante. No Il Sogno di Anarello, onde a chef ia desde os 5 anos de idade, ela até atendia o telefone. Após a morte de seu Giovanni Bruno, em 2014, o lugar ficou fechado por um tempo e reabriu recentemente, depois que o livro já estava pronto - por isso não ganhou seu próprio capítulo, mas a homenagem está registrada na introdução.
Algumas histórias não estão no volume - não caberiam, são muitas. Num almoço da reportagem com os autores no Carlino, de 1881 e o primeiro da lista cronológica do livro, Janaina desfia mais causos. Conta que no atual endereço do Carlino, que já passou por outros imóveis no Centro e hoje está perto do Copan, funcionou na década de 1980 o In’s Club, clube privado que recebia durante o dia amigos do executivo André Beer, que fez carreira na GM. “Minha mãe trazia roupas para vender. Eu tinha uns 12 anos e não podia entrar, ficava na recepção. Os sofás são os mesmos até hoje.”
Depois de ficar fechado três anos, o Carlino foi reaberto em 2005. “Seu André era cliente do restaurante e procurou meu pai para oferecer o imóvel, para reabrirmos”, conta Bruno, filho de Antônio Carlos Marino, que toca o restaurante desde 1978.
Essa interrupção de três anos, aliás, virou brincadeira entre os restaurantes dessa geração. A Cantina Capuano, aberta em 1907, ostenta no salão a frase: “A cantina mais antiga em funcionamento ininterrupto de São Paulo”, uma espécie de provocação ao fato de o Carlino ter fechado um período. “Mas toda essa disputa é com generosidade, não com rivalidade”, ressalta Janaina. Segundo Tonon, durante a pesquisa das casas que entrariam no livro (e muitas ficaram de fora), um lugar indicava o outro: “Ah, mas vocês têm que ir em tal lugar...”
A maioria das casas é italiana e fica na região central, registra o livro, mesmo tendo também grego (Acrópoles), árabe (Frevo, Almanara), alemão (Windhuk, Caverna Bugre) e francês (Freddy, Marcel), e apesar de algumas casas terem se mudado do centro, como o Fasano (hoje nos Jardins). Mas qual o segredo da sobrevivência? A pergunta que rondou o livro desde a sua concepção parece ter inúmeras respostas, a começar por uma “reinvenção” da casa com sensibilidade, para atrair nova clientela mantendo a antiga.
Para Marie-France Henry, que assumiu a gestão do La Casserole em 1987 das mãos dos seus pais, fazer menus esporádicos temáticos ajudam a dar uma refrescada no cardápio sem mexer nos itens clássicos. Em março, por exemplo, ela lançou o festival Vira Latinha, com pratos criados a partir de enlatados como sardinha.
“Esses menus nasceram de prazer pessoal meu, não como estratégia, mas ao longo do tempo se revelaram um bom jeito de manter a história do lugar. Nunca vamos deixar de ter filé au poivre, pernil de cordeiro”, conta a restauratrice. “A coisa que mais adoro ouvir quando estou no salão é: ‘Vinha aqui com meus pais, agora trago meus filhos, como esse mesmo prato há 30 anos e é sempre a mesma coisa’. Isso é memória afetiva.”
Segundo a chef Janaina Rueda, que sonha ver seu Bar da Dona Onça resenhado futuramente com mais de 50 anos, um dos segredos da maioria das casas do livro foi não espalharem filiais pela cidade, à exceção de um ou outro restaurante. “Você precisa estar dentro do seu restaurante. É muito fácil abrir e fechar depois de um ou dois anos. Pô, quero ver passar por tudo isso em décadas.”
LANÇAMENTO
50 RESTAURANTES COM MAIS DE 50Autores: Janaina Rueda e Rafael TononEditora: Melhoramentos (208 págs., R$ 89)Quando: 16/5 (terça), às 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2.073)